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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Direito Penal e princípio da necessidade

INTRODUÇÃO


No âmbito da disciplina de Direito Penal fomos desafiados a desenvolver o tema “Direito Penal princípio da necessidade”, no entanto o enquadramento terá que ser feito nos aspectos desportivos e não de forma generalista a várias actividades sociais.
Será um trabalho curto e conciso para complexidade e vastidão de assuntos que poderiam ser abordados, atendendo à formação não jurídica do autor e ao curriculum do próprio curso.
Como forma auxiliar de orientação entendemos elaborar um pequeno grupo de questões que foram enviadas e número reduzido de contactos. Tratam-se, de pessoas com formação jurídica e não só, são conhecedores da temática desportiva, porque já desempenharam ou desempenham funções de responsabilidade desportiva, quer como técnicos ou dirigentes ou mesmo atletas.
Era do nosso conhecimento que não poderíamos ter muitas expectativas quanto ao número de questionários respondidos, por outras experiências ocorridas no passado e o grau de participação seria diminuto, por esse facto não trabalhamos os dados recolhidos de forma estatística, mas apenas como auxiliares de orientação e na busca de outras perspectivas de pensamento.
Após a brevíssima apresentação do questionário e de algumas respostas obtidas, desenvolveremos o essencial do trabalho balizando inicialmente à clarificação de alguns conceitos com ênfase: o que é o princípio da necessidade?
Na parte final enunciaremos algumas conclusões.



1. QUESTIONÁRIOS



Entendemos colocar a diferentes interlocutores (em número reduzido o seguinte conjunto de questões:

1. O desporto moderno é cada vez mais mediático e gera influências educativas na sociedade, nomeadamente nos jovens. É imperioso recorrer ao Direito Penal para que as punições desportivas produzem maior eficácia na prevenção?

2. O uso do doping adúltera a verdade desportiva, fará sentido punir os infractores apenas no âmbito desportivo ou urge recorrer a outros ramos do direito, tendo em conta o apuramento de responsabilidades civis e criminais dos cidadãos envolvidos no uso do doping?

3. Suponhamos que um adepto entra no terreno de jogo e agride um atleta ou um árbitro, será justo que o clube seja punido desportivamente e disciplinarmente e o cidadão em causa não sofra consequências enquanto cidadão?

4. Deve um gestor (dirigente desportivo) ser responsabilizado por gestão danosa e fraudulenta numa qualquer instituição de Utilidade Pública (Federação, Clube, SAD)?


Os questionários foram enviados para dirigentes e ex-dirigentes desportivos, oriundos de diferentes profissionais e formação académica. Obtivemos respostas muito semelhantes e que podem resumir-se ao seguinte:

Sobre a primeira questão, a qual interrogava sobre o recurso ao Direito Penal como instrumento contributivo para melhoria da eficácia da prevenção de actos ilícitos no desporto.

Os nossos interlocutores consideraram que as punições desportivas devem estar sempre limitadas ao Direito Desportivo e aos regulamentos quer das estruturas federativas, nacionais e internacionais, quer dos clubes. O Direito Penal deverá portanto ser aplicado apenas em situações que sejam do foro criminal.

Quanto à segunda questão, a qual abordava a infracção à verdade desportiva pelo uso de doping, o resumo de respostas pode sintetizar-se no seguinte: identificar primeiro, os possíveis infractores: o próprio atleta, consciente ou inconscientemente dopado, quem lhe forneceu/ministrou o doping, quem o produziu. Se for detectada a utilização de doping por um atleta este deve ser punido apenas na esfera desportiva. Por outro lado, quem entrega/ministra o doping ao atleta tem de ser castigado na esfera desportiva. Caso o estejam a fazer sem conhecimento do atleta terão também de responder quer civil quer criminalmente.

Finalmente, em relação aos produtores, há que distinguir duas possibilidades: produtos a serem livremente vendidos dado que podem servir, por exemplo, para tratamentos de doenças, ou a existência de um negócio vocacionado exclusivamente para o fornecimento de doping aos atletas. Neste último caso o Direito penal terá naturalmente de prever a penalização civil e criminal destes indivíduos e organizações.

Sobre a questão, terceira, a qual exemplificava o comportamento menos correcto por parte de um adepto de clube. O consenso das respostas obtidas, sintetizam-se no seguinte: quando existe uma situação isolada considero que o clube não deve ser punido. O adepto deverá ser punido civil e criminalmente (nesta punição deverá estar contemplada a proibição de frequentar eventos desportivos).

Convém aqui também referir que foi detectado em estudos recentes que a estratégia dos hooligans assentava em parte infiltrar elementos nos grupos adversários.

Por fim, a questão eventual mais controversa, em especial e atendendo aos destinatários do mini - inquérito. Versava a questão sobre a gestão danosa das instituições desportivas. A conclusão a que chegámos foi a seguinte: um gestor deverá ser sempre penalizado por gestão fraudulenta. No entanto, a qualificação de uma gestão de danosa é muito mais complexa podendo mesmo entrar no campo da profunda injustiça. Exemplifiquemos: contratação de jogadores de futebol, por valores elevadíssimos, que venham a ser poucas vezes utilizados pelo clube que o contratou. Um mau negócio, uma má opção de gestão, desde que quem a tomou não seja directamente beneficiado por ela, não deve ser alvo do Direito Penal.

Sobre esta análise foi-nos colocada uma pergunta pertinente de como se deve qualificar o acto de gestão dos responsáveis dos clubes que investiram na construção dos novos estádio para o Euro 2004, terão sido actos danosos?

Apesar destas considerações há algum consenso no sentido de encontrar mecanismos jurídicos para que determinadas tipos de gestão seja punida criminalmente.

De uma forma geral, foi-nos referido ter que existir algum cuidado na “estatização” toda e qualquer instituição desportiva. É importante conseguir um patamar de equilíbrio entre interesse público e interesse particular de modo a evitar confusões. Hoje em dia, a própria estrutura do fenómeno desportivo, em particular, a relativa à chamada do alto rendimento, tem mais a ver com aspectos comerciais que, não raro, deixam para segundo plano, a noção de interesse público. Nesse contexto, o Estado deveria assumir um papel de intervenção mínimo, sobretudo, quando questões mais profundas pudessem afectar o cerne de toda a instituição (doping, violência, hooliganismo, corrupção,).

A par desta intervenção, e porque o fenómeno desportivo tem, hoje em dia, uma vertente económico/financeira muito acentuada, os clubes devem organizar-se em termos de maximizar uma rentabilidade de acordo com os objectivos visados, necessitando, para tanto, de organização e eficácia, de modo a evitar o aparecimento de fenómenos que só a eles responsabilizam.

Assim sendo, definidos os campos em causa (público e privado), o Estado devia ter uma intervenção decidida e eficaz com vista à salvaguarda dos interesses (gerais e colectivas) pelos quais cumpre zelar.



2. INTERPRETAÇÃO LEGISLATIVA


Antes de debruçarmo-nos sobre algumas questões interpretativas de Leis em vigor abordemos alguns conceitos.
Há que ter em conta que a função jurisdicional do Estado controla a função administrativa. Dito isto, recordemos o que está estipulado no art. 2º do Código do Processo (Princípio da legalidade) no parágrafo 2: “os actos administrativo praticado em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas neste Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados terão o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração”.
Segundo João Caupers, daquele princípio há dois tipos de efeitos que se produzem; uns são negativos e outros são positivos. No entanto, há uma excepção ao princípio da legalidade, a qual é denominada como sendo o estado de necessidade e daí deriva o respectivo princípio.
Diogo Freitas Amaral considera que alguns vêem naquele estado uma circunstância que verdadeiramente legítima actuações ilegais da Administração Pública.
Por outro lado, Marcelo Rebelo de Sousa considera estar-se perante uma espécie de legalidade excepcional, susceptível de cobrir certas actuações administrativas
Se a isto tivermos em conta que na aplicação do Direito Penal não há o recurso à figura da analogia dos actos e por outro lado tem que existir o cumprimento das seguintes características acção (vontade), típica, ilicitude e culpa.
O Direito Penal aplica-se para estabelecer equilíbrios entre a protecção e o acto de lesar alguns bens fundamentais, com base entre alguns princípios, entre os quais o da necessidade. A aplicação do Direito Penal tem uma dupla função: a repressiva e a preventiva.
Portanto, se olharmos em especial para as Leis nº50 / 2007 – Regime de Responsabilidade Penal por comportamentos anti-desportivos e a Lei nº 39 / 2009 – Regime Jurídico de combate à violência estamos perante Leis em que a dupla função do Direito Penal está condicionada.
A competência preventiva está reduzida e nomeadamente quando as situações dizem respeito a dirigentes ou agentes desportivos que pela sua conduta podem ser exemplos negativos na sociedade em geral.
Existe uma tendência para que um qualquer eventual dolo praticado por um cidadão fique impune ao abrigo do Direito Penal, pelo facto ser comum aceitar unicamente a sanção disciplinar no âmbito da regulamentação existente no seio das Federações.
Por outro lado, é pouco divulgado que se tenha feito cumprir o estipulado no art. 6º da Lei 50 / 2007. Diz-se no Artigo em referência que os titulares dos órgãos e os funcionários desportivas ou das ligas profissionais, associações e agrupamentos de clubes têm a obrigação de transmitir ao Ministério Público noticia dos crimes previstos na Lei.
A questão é saber, quando e em que condições aqueles agentes desportivos têm conhecimento dos actos, se só ficam obrigados quando estão em exercício de funções?
Na leitura da Parte Geral do Código Penal, encontramos a seguinte frase: “as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador”. Com este objectivo em mente e transposto para as Leis no âmbito desportivo a avaliação das situações deveriam ter o conceito presente, o que por vezes fica a dúvida se tal acontece.
Sem pretendermos aprofundar em demasia a temática, será relevante interpretarmos a coerência das Leis Penais no âmbito desportivo com a questão da imputabilidade a menores de 16 anos. Abordamos esta situação, pelo facto de no desporto de alto - rendimento surgirem cada vez mais jovens com performances mediáticas, e segundo o nosso ponto vista algumas Leis não clarificam esta questão.
Consideremos a questão da violência, e o enquadramento de um elemento jovem de uma claque que haja de forma solitária na agressão a um agente desportivo. Será muito claro a sua imputabilidade ou não?

CONCLUSÃO

A abordagem do tema proposto é de enorme vastidão e muito diversificada, sabemos de antemão que o Direito Desportivo começa a seguir o seu caminho autónomo no âmbito do Direito em geral. Algumas das nossas Leis têm sido actualizadas e revistas conforme os acontecimentos.
Das poucas Leis produzidas e com objectivos preventivos terá sido a Lei nº 16/2004 de 11 de Maio. Recordemos que tinham em vista a questão da Segurança do EURO 2004.
Portanto, foi objectivo deste simples trabalho reflectir e ouvir alguns contributos sobre a aplicabilidade do Principio da Necessidade do Direito Penal e como pode e deve ser operacionalizado no desporto.
Um dado é irrefutável a justiça desportiva tem que ser célere e as Leis devem possuir os instrumentos mais adequados para que tal aconteça, mas estamos convictos de que há a necessidade de colmatar algumas eventuais lacunas interpretativas.
No nosso ponto vista as Leis de âmbito desportivo terão que procurar clarificar melhor a fronteira que é difícil entre o imputável e inimputável.
Com a humildade, reconhecida, na falta de conhecimento de matérias mais específicas procuramos não abordar de forma mais profunda os temas aqui sintetizados.

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