Dia 12 de Agosto fui
apanhado de surpresa com um telefonema de um amigo de longo data com a notícia
mais triste que poderia ter de um outro amigo: JORGE MANUEL ALEGRE GONÇALVES.
Inicialmente pensei que
tivesse sido vítima de algum atentado apesar de saber que andava com a sua
própria segurança quando era necessário, mas deixar cair tudo colocando o fim à
longa batalha nesta Terra, ainda não acredito. Jorge, não podias fazer isto!
Há décadas que conhecia o “bigodes”
e as ligações ao meu pai já eram anteriores por termos todos bebidos água do
Bengo em Luanda. Atravessou momentos muito difíceis e revoltantes de
disparates, mas também de muita injustiça dos homens com histórias mal contadas
no mundo desportivo e empresarial. No final da década tornou-se conhecido em
Portugal com eventual contratação de Frank Rijkaard para o Sporting Clube de
Portugal, mas já antes tinha tido momentos de glória no desporto, por ser
campeão na Vela em Angola e se não fosse o período conturbado da independência
muito provavelmente teria atingido outro patamar.
Recordo as invejas que
causou na direção de Amado de Freitas, onde pontificavam vaidades e
protagonistas rebeldes. Não esqueço as palavras sensatas do então Presidente
Amado de Freitas dizer-me que o clube não tinha dinheiro e o Jorge ia dar uma
ajuda, mais tarde tudo se precipitou e dois meses depois ser Presidente o
ex-Vice Presidente José Dias afirmou-me que o Jorge Gonçalves era um homem bom,
mas o Dias Ferreira tinha enganado todos na venda precipitada do Frank
Rijkaard. São histórias que estão por revelar, se é que um dia se saberá a
verdade toda.
Não esqueço todo o
processo eleitoral de 1988 em que sempre se soube que o treinador do Sporting
com o Jorge na Presidência seria Manuel José, no entanto depois de tomarmos
posse, nessa mesma noite alguns dos Vice-presidentes assumiram a rotura e chantagearam-no,
obrigando-o a procurar outra solução e uma série de invenções. Seguiram-se
períodos conturbados com uma teia de oportunistas em seu redor e a abusarem da
sua magna tolerância. Sem esquecer uma reunião dos órgãos sociais do clube,
estivemos reunidos até madrugada e na manhã seguinte fomos confrontados com um
comunicado do Conselho Fiscal que tinha sido apresentado na reunião e
rejeitado, mas afinal teria sido enviado para as redações antes de entramos em
reunião. Principais visados daquela fuga premeditada: Artur Baptista da Silva,
João Costa Figueira na altura presidentes e vice-presidente do Conselho Fiscal
(este último sogro de Sérgio Abrantes Mendes por sua vez Presidente da Mesa da
Assembleia Geral).
Porquê contar tudo isto?
Porque é preciso saber e conhecer o homem sonhador e idealista e que teve
mundos e fundos ao dispor para ser um “super-milionário” mas preocupou-se em
demasia com o bem dos outros e muitas vezes não quis ajustar contas,
acreditando noutras justiças.
Muitos episódios, da sua
vida partilhou comigo e sempre procurei manter uma amizade e um respeito pela
dignidade do homem que era. No final da década de noventa fui reencontrá-lo num
crescimento próspero em Luanda, mas ainda sem a vida faustosa que muitos apregoavam
em Lisboa que ele tinha. Talvez, tenha sido nessa época que alguns portugueses
que se encontravam de passagem por Angola o souberam aceitar e compreender.
Já nessa altura estava
identificado nas contas do Sporting que ele era credor em muitos milhões de
escudos, algo que o seu sucessor Sousa Cintra sempre procurou apagar na
contabilidade financeira e que mais tarde os sucessores na presidência tiveram
receio de assumir a verdade da história face às eternas traições que um clube
desportivo é pródigo. Aqueles que ao longo dos anos se têm servido do clube e
da sua imagem que nesta data tenham um pingo de remorso sobre o que fizeram e
abusaram de Jorge Gonçalves.
Não esqueço no início do
Século no dia em que aterrou em Lisboa e depois da sua longa ausência ia
comprar um bilhete para assistir à apresentação do Sporting no Estádio (antigo)
e queria ir para a bancada junto da Juventude Leonina ao que retorqui que era
impensável, o lugar dele era na Tribuna Presidencial, senti um imenso brilho
nos seus olhos e disse-me que não acreditava que isso fosse possível. Liguei
para Mauricio do Valle e para Isabel Trigo Mira entre outros e de todos tive a
mesma resposta que tal desiderato não era fácil por causa do passado e uma
série desculpas. Até que finalmente, consegui falar com António Dias da Cunha e
passado meia hora tinha os convites para a Tribuna presidencial, tendo recebido
um telefonema do diretor de relações públicas informando que seriam lugares
laterais na Tribuna e que teria de ser eu a acompanhá-lo. De todos senti um
certo pudor lidar com um homem que tinha sido presidente do Sporting e que a
vida causou-lhe infortúnios mas deixou crédito no Clube, ficando a pergunta o
que se faz aos outros que maltrataram o clube e deixaram prejuízos e em certos casos
foram ressarcidos com juros elevados.
Mas, uma vez te digo Jorge
não podias ter feito isto!
Não esqueço por onde andou
a maioria das pessoas manifestavam um carinho especial e o azedume sempre veio
daqueles que se aproveitaram dos seus momentos de glória, mas foram os
primeiros sempre a desaparecer nos seus períodos de infortúnio.
Apetece-me revelar muito
mais porque a justiça leonina sempre tardou em ter efeitos práticos. Se tal
tivesse acontecido mais cedo e passando ele as dificuldades que hoje são
públicas talvez se tivesse evitado este desfecho na vida. Jorge, sempre
soubeste animar a malta e saber esperar que tudo se resolveria, nem os
tribunais em Portugal que no passado foram desastrosamente morosos te
condenaram em nada, mas também não quiseste acreditar que terias de recorrer
aos mesmos para seres ressarcido do que perdeste materialmente e
imaterialmente.
Nos últimos meses voltaste
acreditar em alguém que preside ao clube que te iria repor na dignidade plena
sendo ou não ressarcido na divida, há muito que te tinha dito que não contasses
com tal desfecho, no entanto nunca transmitiste a tua real situação nos últimos
tempos. Deixaste-me com o teu último e-mail no passado dia 6 de Agosto sobre
uma visão do que é amor.
Não era teu hábito aquele tipo de correio?!
Jorge tanta recordações
boas e menos agradáveis, como por exemplo, aqueles momentos faustosos em
Portugal e Angola, e o contrário em que faltava o vil metal até para certas
refeições.
Jorge, não podias ter feito
isto! “Bigodes” até um dia!
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